CATEQUESE
MISTAGÓGICA
A CATEQUESE
MISTAGÓGICA
Pe. Roberto Nentwig
Regina Menon
1.
Por que falar de mistagogia?
O tema mistagogia aparece em um
momento de urgência de renovação da Igreja e de nossas práticas
evangelizadoras.
As vozes do
documento de Aparecida ainda ecoam em nossos ouvidos, proclamando a necessidade
de deixar uma pastoral de mera conservação, avançando para a renovação das
estruturas eclesiais (DAp 366-368). Diante do indiferentismo religioso, da
falta de consciência cristã dos batizados e da grande massa de católicos que
buscam nossas comunidades como “fregueses” dos serviços eclesiais, faz-se
necessária uma renovação de métodos. Na catequese, não podemos mais nos
contentar com a falta de engajamento dos muitos que recebem os sacramentos de iniciação
e depois somem da Igreja.
Diante de tal
realidade com a qual se depara nossa prática pastoral, precisamos tomar
consciência de que estamos em tempos de evangelização. Tempos em que urge o
primeiro anúncio da alegre boa nova, levando nossos interlocutores ao encontro
pessoal com Jesus Cristo, na adesão ao seu Reino. É urgente uma catequese
mistagógica que resgate os tempos áureos dos primeiros séculos para renovar a
prática catequética.
2.
O que é mistagogia?
Mistagogia é um termo grego que significa “conduzir ao
mistério”. Segundo Pe. Gilson Camargo, é possível traduzir o termo por “ter domínio” do mistério. É evidente que esta
expressão precisa ser bem interpretada, já que Deus não é alguém que dominamos,
além do que a vida nele é uma graça, não depende somente de nossos esforços. Um
cristão mistagogo tem intimidade com o mistério divino e deixa transparecer
Deus de modo simples e fácil.
Cabe explicitar que
este “mistério” não é um segredo inatingível. O Novo Testamento define “mistério” como o desígnio divino oculto em Deus
desde todos os séculos (Ef 3,9), agora revelado em Jesus Cristo (Cl 1,26-27).
Portanto, ser conduzido ao mistério é encontrar-se com a pessoa de Jesus
Cristo, acolhendo o desígnio do Pai (a salvação) na força do Espírito Santo. A
experiência cristã, portanto, não é um sentimentalismo vazio, nem um mero
aprendizado teórico, mas a experiência viva que leva o fiel a aderir ao Reino
de Deus, o projeto do Pai, em comunidade, assumindo a dinâmica renovadora da
Páscoa: o mistério de morte e ressurreição (Rm 6,8-11; Fl 3,10-11).
O termo mistagogia designa o último tempo do processo
catecumenal. Trata-se de um tempo que valoriza muito a liturgia do Tempo
Pascal, com a finalidade de fazer o neófito experimentar a Páscoa do Senhor e
sentir-se acolhido pela comunidade da qual começou a fazer parte pelos
sacramentos. Na Igreja antiga, as catequeses mistagógicas tinham a finalidade
de levar os neófitos a aprofundar os sinais que foram manifestos na recepção
dos sacramentos da iniciação.
Ao tratarmos de
mistagogia na catequese, no entanto, não estamos falando de um tempo
determinado, pois todo o processo catequético deve ser permeado pela
mistagogia, ou seja, deve ter a finalidade de levar Deus ao coração e à vida
dos interlocutores.
3.
Caminhos mistagógicos
Destacamos três
caminhos que contribuem para uma catequese mistagógica: a Palavra, a liturgia e
a oração.
a) Palavra. Tanto a tradição
da Igreja como as Escrituras são fontes da Palavra de Deus. Sobretudo,
destaca-se a Bíblia, “livro por excelência da catequese”, como fonte primordial
da atividade catequética. Ainda carecemos de uma catequese mais bíblica, do uso
frequente da Escritura nos encontros, de uma intimidade maior no uso da Bíblia
por parte do povo católico.
Os documentos da
Igreja têm insistido sobre a prática da leitura orante, como um caminho eficaz
para o uso da Escritura na pastoral. A lectio divina destaca-se como um método de leitura orante em consonância com a grande
tradição da Igreja. Inspirada na oração dos monges, conserva quatro passos que
remontam ao monge Guido (séc. XII), escritor do livro A escada dos monges (BOFF, 2006):
- Ler: leitura calma, pausada,
procurando saborear cada palavra;
- Meditar: como a Palavra aplica-se na vida da pessoa;
- Orar: deixar a oração,
a prece, o louvor brotar da Palavra;
- Contemplar : sentir-se amado por Deus. Os místicos falam deste estágio como o mais
elevado, como total entrega a Deus.
Esses degraus não
precisam ser necessariamente justapostos (vir um após o outro). É importante
que primeiro se faça a leitura e, depois, deixe brotar a oração de acordo com a
inspiração do Espírito e as características próprias do grupo.
b) Liturgia. A liturgia, por
si só, tem uma dimensão catequética. As celebrações, com sua riqueza de
palavras e ações, são uma verdadeira “catequese em ato” (CR 89).“Embora a
sagrada Liturgia seja principalmente culto da majestade divina, é também abundante
fonte de instrução para o povo fiel” (SC 33). Uma celebração bem
preparada, participada e adaptada à realidade com verdadeira dignidade e cheia
do verdadeiro sentido litúrgico, educa na fé, recorda os seus conteúdos
centrais, renova o ideal de vida cristã e incrementa a consciência de pertença
eclesial. Pela ação do Espírito Santo, a liturgia alimenta e estimula ao
compromisso com a vida.
Há uma contínua união
entre Palavra e símbolo, colaborando para que o conteúdo da fé seja
interiorizado, não permanecendo como uma mera teoria: “O rito, ao envolver a pessoa por inteiro, marca mais profundamente do
que uma simples instrução e interioriza o que foi aprendido e proclamado,
realçando a dimensão de compromisso” (IVC 44). Na liturgia há o
envolvimento corporal por cantos, gestos, vozes, silêncio, de modo que a união
entre atitudes do corpo, símbolo e Palavra contribuam para uma experiência mais
concreta do mistério:
Na liturgia
conjuga-se 'o que se diz' e a 'maneira de dizer'. Gestos e palavras transmitem
seu sentido no próprio ato. Por isso mesmo são até mais expressivos do que
discursos e ensinamentos. (…) Mais do que compreender por intelecção o
importante é que se experimente algo do mistério pascal de Cristo. Se celebrado
com intensidade e profundidade não haverá risco da banalização repetidora
(PERUZZO, 2010, p. 33).
O Diretório Nacional de Catequese corrobora esta
ideia, afirmando a necessidade de um itinerário catequético que inclua um
itinerário celebrativo como componente indispensável (DNC 118):
As festas e as
celebrações são momentos privilegiados para a afirmação e interiorização da
experiência da fé. O RICA é o melhor exemplo de
unidade entre liturgia e catequese. Celebração e festa contribuem para uma
catequese prazerosa, motivadora e eficaz que nos acompanha ao longo da vida.
Por isso, os autênticos itinerários catequéticos são aqueles que incluem em seu
processo o momento celebrativo como componente essencial da experiência
religiosa cristã. É esta uma das características dadimensão catecumenal que hoje a atividade catequética há de assumir.
Toda a atividade da
Igreja tem suas forças arraigadas na liturgia. A catequese deve conduzir à
vivência litúrgica, pois esta sintetiza a experiência cristã. Sobretudo aqui,
destaca-se o uso de símbolos e gestos litúrgicos, pois estes afetam áreas do
ser humano que o conteúdo racional não alcança. Uma catequese mais celebrativa
e orante traz a força do significado dos ritos, conduzindo os interlocutores,
de modo eficaz, à vivência do Evangelho.
c) Oração. A catequese deve
ser “permeada por um clima de oração” (DGC 85). O encontro catequético não deve
parecer uma aula ou palestra, mas ser um espaço aberto para o diálogo com Deus.
Qualquer conteúdo exposto deve ser interiorizado pela prece, sobretudo
valorizando a espontaneidade e a criatividade. Hoje muitos cristãos rezam
somente fazendo pedidos. É preciso que nossos catequizandos exercitem a oração
como meio para experimentar o amor de Deus, acolhendo o mistério divino de um
modo afetivo.
Já falamos da
importância da Sagrada Escritura como caminho mistagógico. A Bíblia é a
principal fonte da oração: o fundamental é partir da leitura do texto sem a
pretensão de encontrar verdades, mas para acolher o sentido espiritual. Depois
da leitura, muitos são os caminhos que nos ajudam a orar: repetir as frases do
texto pausadamente (pedir que o grupo repita), cantar refrões, fazer preces
espontâneas... Convém, seguindo a tradição da Igreja, concluir o momento orante
com um Pai-Nosso, reunindo todas as preces. Um caminho por vezes esquecido é o
silêncio. É preciso deixar Deus falar, imaginando-se, por exemplo, no cenário
do texto lido (método Jesuíta). Enfim, o importante é que a Palavra seja o guia
mestre de nossa oração.
4.
O catequista mistagogo
O catequista
mistagogo é um instrumento que facilita o encontro dos seus catequizandos com o
mistério divino. A Palavra tem forte
relação com o seu proclamador. No contexto da revelação, não basta saber com
exatidão o que é pronunciado, mas é preciso conhecer quem comunica, pois quem
enuncia é também mensagem.
A força reveladora
e realizadora da Palavra de Deus são evidenciadas na catequese. Também o
catequista, seguindo a lógica da revelação, não apenas transmite verdades, mas
revela o próprio Deus. Para que este mistério aconteça com eficácia, o
catequista não fala de si mesmo, mas a partir do seu encontro com o Senhor, de
sua experiência, de sua vida.
Catequese significa
fazer ecoar. Ela será um verdadeiro eco da Palavra de Deus se o catequista
deixar transbordar do seu interior aquilo que nele está repercutindo. Aquele
que ouve, por sua vez, acolhe em seu coração este transbordamento e passa a também
ser um eco da mesma Palavra.
São Paulo nos diz
que somos um texto vivo da Palavra; “Sois uma carta de Cristo, redigida por
nosso ministério e escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus Vivo”
(2Cor 3,3). O catequista, portanto, é uma carta de Deus, em texto vivo. Fala
mais pela sua vida do que por suas palavras, comunica mais com o seu jeito de
ser, com sua alegria e amor do que com suas ideias. Por isso, para catequizar,
o catequista deve se deixar escrever pelo Espírito Santo. Deixará que o amor
seja impregnado em seu coração, lembrando que este é um mistério para os
simples: “Eu te louvo, ó Pai, porque escondestes estas coisas dos sábios e
entendidos e as revelastes aos pequeninos” (Mt 11,25).
Portanto, o
catequista mistagogo é aquele que se encontrou com o Senhor, assumiu o seu
projeto em sua prática de vida e deseja, por um ímpeto interno, anunciar a
experiência realizada (1Cor 9,16), além de não descuidar da formação
continuada. Não basta mudar os métodos se não houver catequistas que transmitam
a verdadeira experiência de encontro com Cristo.
5.
Elementos para uma catequese mistagógica
Não se pode falar
de mistagogia sem abordar o processo catecumenal. O catecumenato foi resgatado
como forma ordinária de iniciação de adultos, seguindo a metodologia do RICA.
Sua eficácia evangelizadora fez dele um modelo inspirador para outros processos
catequéticos, como afirma o Diretório Geral
para a Catequese: “Dado que a missão ad gentes é o paradigma de toda a missão
evangelizadora da Igreja, o Catecumenato batismal, que lhe é inerente, é o
modelo inspirador da sua ação catequizadora” (DGC 90). O Diretório Nacionaltambém afirma: “é a inspiração catecumenal que deve
iluminar qualquer processo catequético” (DNC 45). Assim, é nossa missão
construir itinerários de educação na fé de inspiração catecumenal. Deste modo,
estaremos favorecendo uma catequese mistagógica
Para alcançar este
objetivo, é preciso conhecer a metodologia catecumenal. São características
essenciais da metodologia catecumenal: seu caráter cristocêntrico e gradual, a
função eclesial, a centralidade do mistério pascal, a inculturação, a formação
intensa e integral vinculada a ritos e símbolos (IVC 72-73).
Portanto, um
itinerário catequético catecumenal e, consequentemente mistagógico, não é uma repetição
do que nos é proposto pelo RICA, mas a aplicação criativa da metodologia
catecumenal. Seguem algumas pistas que podem nos ajudar.
- Realizar encontros celebrativos: os gestos, os ritos, os sinais da
liturgia são bem vindos na catequese. Comunicamos mais dos mistérios divinos
pelo uso de sinais do que pelo enunciado de teorias.
- Aproximar os catequizandos da liturgia: é preciso que compreendam e se
apaixonem pela liturgia, sobretudo pela participação ativa das celebrações
eucarísticas.
- Realizar celebrações catequéticas. É muito oportuno fazer com os
catequizandos algumas celebrações da Palavra, convidando os familiares,
reunindo outras turmas. Os próprios catequistas podem conduzir estes momentos,
inspirando-se nos conteúdos catequéticos, valorizando e partindo sempre da
Proclamação da Palavra – da palavra brota a oração em comunidade.
- Realizar celebrações de entrega e ritos de passagem. É preciso
resgatar o sentido da gradualidade do processo catequético presente no
catecumenato. O catequizando deve sentir que ele avança a cada dia no caminho. A realização de algumas celebrações de passagem
pode ajudar neste sentido. Aqui merecem destaque as entregas, tão valorizadas
no catecumenato: pode haver uma celebração festiva, com toda a comunidade, com
a entrega de um símbolo para cada etapa do itinerário: a Bíblia, o Pai Nosso, o
Credo, a Cruz, as Bem Aventuranças... Outras celebrações também são carregadas
de significado: celebração de acolhida (no início das atividades catequéticas,
com as famílias), celebração de envio... Convém que as celebrações de entrega
aconteçam na celebração eucarística, com a assembleia reunida. Deste modo,
intensifica-se a consciência da participação comunitária.
- Valorizar o tempo litúrgico. É preciso retomar toda a riqueza do
Ano litúrgico e a centralidade do Mistério Pascal. O tempo da Quaresma, com sua
riqueza, é um forte momento para se vivenciar a fé por gestos concretos,
principalmente aproveitando-se a Campanha da Fraternidade. Não esqueçamos
também do apelo à oração, das celebrações penitenciais, via sacras... O Tempo
Pascal é o centro do Ano Litúrgico. Convém que a iniciação eucarística e a
Confirmação sejam celebradas neste tempo, vinculando-os ao sentido da vida nova
que brota da Ressurreição do Senhor.
- Conduzir os catequizandos para a participação em atividades
evangélico-transformadoras. Não podemos nos esquecer de que a mistagogia é
uma educação para o viver cristão. Não basta a
Palavra, a liturgia e a oração se não nos convertemos. Assim, é muito oportuno
que os catequizandos realizem atividades que os eduquem para a caridade e o
compromisso social, como atividades em prol da ecologia, visitas em
instituições sociais, campanhas, etc.
Uma catequese
mistagógica necessita de agentes mistagogos. Que pela graça do Espírito, sejam
suscitados pessoas que deixem transbordar do seu interior o encontro decisivo
com o Cristo, Senhor, na adesão ao seu Reino. Só assim, teremos uma catequese
viva, mais querigmática, bíblica, celebrativa, orante e mistagógica!
Oi Gracinha! Passei pra fazer uma visitinha. É sempre uma alegria visitar seu blog. Tem um selinho dedicado especialmente a você lá no meu blog. Um lindo domingo e uma semana bem abençoada! Um abraço e a paz do Senhor Jesus!
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